junho 22, 2010

Park Seung-Jin, o goleador norte-coreano que acabou a comer insectos...

Agora que a propósito da queda do Muro de Berlim se fez ouvir a ladainha relativista sobre os novos muros – perguntem aos presos se um muro que impede a saída é igual a um muro que impede a entrada! – é ocasião para recordarmos um dos mais brilhantes jogos efectuados pela selecção portuguesa de futebol. Aconteceu em 1966. Portugal defrontou a Coreia do Norte cuja equipa estava ainda embalada pela euforia da vitória sobre a Itália. Portugal chegou a estar a perder por três a zero. Como não sei nada de futebol não sei explicar o que aconteceu mas aos meus olhos leigos nessa matéria só parece que, a partir de dado momento, a bola e Eusébio se encontravam em perfeita sintonia no caminho para a baliza dos norte-coreanos. Portugal acabou a ganhar por cinco a três. Quatro dos golos foram de Eusébio. O resto foi o que se sabe. Para Portugal evidentemente. Do que sucedeu aos norte-coreanos vai-se sabendo. No livro “Os aquários de Pyongyang”, do historiador francês Pierre Rigoulot e do refugiado norte-coreano Kang Chol-Hwan, ficamos a saber que os jogadores norte-coreanos, uma vez regressados à Coreia do Norte, pagaram bem caro os resultados desse jogo: alguns foram expulsos dos locais onde viviam e outros acabaram nos campos de prisioneiros. Kang Chol-Hwan, que foi internado aos nove anos por o seu avô ter sido considerado reaccionário, encontrou um desses jogadores no campo de Yodok. Mais precisamente encontrou Park Seung-Jin, o jogador que marcou um golo a Portugal logo no primeiro minuto de jogo. Mas o Park Seung-Jin detido em Yodok destaca-se agora não pelo poder dos remates mas sim pela sua capacidade de vencer a fome. Comia todos os insectos que encontrava e por isso chamavam-lhe Barata. Ainda estava vivo mas já muito fraco quando, em Fevereiro de 1987, Kang Chol-Hwan mais o seu pai, tio irmã e avó foram autorizados finalmente a sair de Yodok.

O destino destes jogadores ou doutros heróis desportivos dos países socialistas tem matéria qb para reflectir sobre a diferente natureza dos muros. Desconheço se Park Seung-Jin ainda é vivo. Mas a força do futebol que foi suficiente para que Park Seung-Jin e os seus colegas de equipa não fossem completamente esquecidos talvez leve a que para lá do destino de Park Seung-Jin nos interessemos também por confirmar os relatos de refugiados norte-coreanos e as declarações do governo japonês que dão conta da prática de raptos de mulheres em Macau pelos serviços secretos norte-coreanos que usavam esta mirambolante técnica, entre outras coisas, para arranjarem professoras de línguas. Estes raptos tiveram lugar num tempo em que Macau era administrado por Portugal e até agora o desinteresse que os rodeia é para mim tão inexplicável quanto aquela reviravolta no resultado do Portugal-Coreia do Norte de 1966.
Helena F. Matos, 22/06/2010, texto publicado em simultâneo no Jornal Público e no blogue Blasfémias. Convém também interpretar o que se passou no final da partida que terminou em 7-0 e que foi vendida na Coreia do Norte como a suposta vingança de 1966...

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