setembro 08, 2007

Opina-mos: Fehér e Puerta morreram em vão?

A Selecção Nacional de Basquetebol homenageou António Puerta, o jogador do Sevilha que faleceu recentemente devido a problemas cardíacos. O presidente federativo, Mário Saldanha, lembrou e bem que um atleta emblemático da modalidade em Portugal, Paulo Pinto, faleceu em campo. "É confrangedor ver estes jovens perder a vida desta forma", acrescentou. De resto, mesmo quem não dá demasiada importância ao futebol jamais esquecerá o impacto provocado pela trágica morte de Miklós Fehér, em Janeiro de 2004.
Prometeram-se cuidados redobrados na prevenção de novos dramas, mas rapidamente fomos percebendo que os exames médicos continuam a ser falíveis e poucos são os recintos desportivos convenientemente equipados com desfibriladores. Se calhar nem é um facto de admirar, tendo em conta que nem sequer a maioria dos centros de saúde possui tal equipamento.
É neste cenário onde se exige a preservação da vida humana acima de qualquer outro interesse que o caso do avançado Evandro, do Freamunde, voltou à ribalta. Porventura alarmado com a situação de Puerta, o médico do Santa Clara (Paulo Sampaio) emitiu um comunicado no qual dava conta, de forma pormenorizada, dos problemas de coração (miocardiopatia dilatada) que foram detectados no atleta e corroborados pelo Centro Nacional de Medicina Desportiva (CNMD). Abordado por Record, o médio do clube duriense, Mendes Conceição, assumiu a única posição deontologicamente aceitável. "O jogador vai parar até realizar novos exames. Não podemos facilitar", afirmou, mostrando desconhecimento em relação ao relatório do CNMD citado pelo Santa Clara, isto enquanto o próprio Evandro se defendia com uma autorização para jogar futebol que o próprio garante ter recebido em São Paulo, no Brasil.
Por incrível que pareça, a primeira reacção de alguns dirigentes do Freamunde não foi de aplauso ao zelo profissional do seu principal clínico. Mas sim a de, literalmente, chamarem-lhe "burro" com todas as letras, confundindo franqueza com fraqueza. Ontem de manhã, Evandro estava a treinar como se nada fosse. Hoje jogou contra os juniores e, no sábado, o mais certo é defrontar o Leixões em jogo-treino. Uma decisão dos mesmos dirigentes que, se o jogador registar algum problema grave, vão enjeitar a responsabilidade para os médicos. Em comunicado também hoje emitido, pelo menos já prevaleceu algum bom senso, sendo anunciada uma nova bateria de exames ao atleta. Por acaso, também não custava nada pegar no telefone e promover um contacto directo com o médico do Santa Clara e, já agora, com o CNMD.
Pela minha parte, desejo as maiores felicidades ao Evandro. Que este imbróglio se resolva pelo melhor de forma a que possa continuar a jogar futebol. É preferível escrever sobre os seus golos, e exibições, do que por questões de saúde. No entanto, este caso demonstra bem como o processo de validação das certificações médicas continua pejado de falhas. Não é possível que um atleta a quem o CNMD se recusou a declarar apto, levando à rescisão do seu contrato com o Santa Clara, possa voltar a competir no futebol português como se nada fosse, ainda que outro médico, não se sabe sujeito a que pressões no seio do clube para o qual trabalha, tenha assinado um termo de responsabilidade. A Associação Nacional dos Médicos de Futebol, que pelos vistos só foi criada para garantir votos a alguns lóbis na Assembleia Geral da FPF, também não parece muito preocupada em criar novos mecanismos que obriguem a centralizar a informação sobre atletas com patologias cardíacas identificadas, garantindo um escrutínio independente. Mas quando as tragédias acontecem, não falta quem chore lágrimas de crocodilo. É caso para perguntar: Fehér e Puerta morreram em vão?

PS: Por falar em basquetebol, os nossos rapazes continuam em prova de forma brilhante no Campeonato da Europa. O triunfo sobre a Letónia foi épico, mas não tanto como o milagre da Croácia contra a Espanha. Sinceramente, acho que já foi um tremendo milagre termos conseguido, sequer, o apuramento. Estamos a falar de uma Selecção constituída por jogadores cuja evolução foi prejudicada pelo débil profissionalismo da modalidade em Portugal. Mesmo com a final do playoff a bater todos os recordes de audiência televisiva, bastou um clube querer usar o basquetebol como bode expiatório para vingar problemas futebolísticos para a LCB ficar em risco. É triste. Tanto como o alheamento dos emblemas nacionais em relação às competições europeias, o que tem óbvios custos no crescimento qualitativo dos nossos jovens praticantes. Os quais, ainda por cima, ficam tapados nas provas internas por um exagerado número de estrangeiros e acabam por rumar a "potências" da II Divisão espanhola ou ao 1º de Agosto de Luanda (veja-se Francisco Jordão, que alinhava no Petro e agora terá como companheiros de equipa os ex-portistas Rodrigo Mascarenhas e Marques Houtman, o primeiro um dos elementos mais valiosos dos azuis e brancos na última Liga...).

Autor: VÍTOR PINTO
Data: Quarta-feira, 5 Setembro de 2007 - 20:29

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