abril 06, 2009

"Febre Nacional do Póquer" na Revista "Domingo" do Correio da Manhã

Por brincadeira, 40 euros foi o máximo que André Santos se permitiu a arriscar numa aposta num site de póquer. Estava longe de imaginar que quatro anos depois a "brincadeira" faria dele um dos melhores e mais bem remunerados jogadores de póquer nacionais.
Uma hora por dia de jogo basta para André, 20 anos, estudante universitário, retirar alguma coisa como 500 euros. Sentado confortavelmente na cadeira do quarto, virado para dois ecrãs de 24 polegadas através dos quais enfrenta jogadores de todo o Mundo em várias mesas ao mesmo tempo, o jovem joga entre duas a três horas, o suficiente para ganhar uma média diária de 1500 euros, livres de impostos. Um ordenado capaz de envergonhar qualquer executivo. A isto, acrescem os torneios ao vivo disputados nos grandes casinos europeus e cujos prémios finais chegam aos milhares de euros. "Era impossível imaginar que passados quatro anos estaria a jogar ao mais alto nível e a ganhar tanto dinheiro", confessa ‘wade’, como é conhecido no meio.
André é, no entanto, apenas mais um entre os muitos que começam a dedicar-se a sério ao póquer virtual, que cresce a um ritmo alucinante desde que em 2004 começou a ser conhecido em Portugal. Na maior parte dos casos, os jogadores são jovens entre os 20 e os 30 anos, estudantes ou profissionais liberais. Começam a jogar por influência de algum amigo que conhece o jogo. Umas cartas, umas fichas, um pano verde e apostas de baixo valor chegam para a iniciação. Normalmente o on-line vem a seguir. Os mais inexperientes começam com dinheiro de brincar, só depois passando para as apostas em dinheiro real. E a partir daqui só há dois caminhos: ou se ganha e se sobe de dificuldade, aumentando os lucros, ou se perde e se volta a apostar.

2003 foi o ano em que os jogadores de póquer on-line saíram do anonimato. O americano Chris Moneymaker foi o primeiro a vencer o mais famoso campeonato do Mundo de póquer, o WSOP, em Las Vegas, depois de ter garantido a entrada através de um torneio-satélite na internet. Ganhou cerca de um milhão e setecentos mil euros depois de ter apostado... 39 dólares (cerca de 29 euros). Um ano depois as inscrições no campeonato triplicavam. Em 2007, outro nome desconhecido salta para a ribalta: Annette Obrestad, norueguesa, vence o primeiro campeonato do Mundo em Londres e amealha cerca de 300 mil euros. Tinha 19 anos e começou a jogar na internet aos 15.

Em Portugal, foi em 2004 que a febre começou. João Nunes, 32 anos, tinha saído recentemente do Aveiro Basket com o bichinho do jogo metido por uns americanos colegas de equipa. É então que decide criar o pokerpt.com, um site em português destinado a congregar a comunidade de jogadores de póquer nacional. "Sentia-me um clandestino e então decidi ir à procura de gajos como eu", confessa ‘jomané’, considerado o ‘pai’ do póquer português. Apesar da comunidade ter crescido lentamente (demorou cinco meses a chegar aos cem membros) o site conta agora com quase 16 mil associados. "É um crescimento viral", reconhece João Nunes, que se dedica a tempo inteiro a gerir o site, a organizar torneios ao vivo em casinos e a comentar jogos de póquer na SIC Radical.

Mas a maior prova de que o póquer está a crescer em Portugal é o facto de os jogadores começarem a viver apenas do que ganham com o jogo. É o caso de Ricardo Sousa, 31 anos e jogador profissional de póquer. Apesar de não gostar de falar de valores, ‘lostlucky’ lá refere que pode tirar cerca de 1000 dólares por hora de jogo na internet (perto de 740 euros). Se falarmos nos torneios ao vivo, os ganhos podem disparar para os 2000 dólares por hora (cerca de 1500 euros). "Falamos de valores muito superiores a qualquer emprego normal mas semelhantes a qualquer desporto de alta competição", diz Ricardo que é, a par de André Santos, o mais bem remunerado jogador português.

Também Henrique Custódio, 33 anos, engenheiro, optou por dedicar-se exclusivamente ao póquer, depois de ter deixado uma grande empresa da área da electrónica. E não se arrepende: "aumentei a minha qualidade de vida!" Normalmente joga à noite, das 23h às 05h da madrugada, e vai participando nos torneios ao vivo que se vão realizando aos fins-de-semana nos casinos portugueses, e para os quais é patrocinado por um site de póquer, que lhe paga a entrada no torneios, a estada e as viagens. Ainda assim, "hencus" não se vê como profissional por muito tempo. "Hei-de fazer algo ligado à engenharia mas por enquanto ainda não me é rentável pensar nisso", assegura.

Inicialmente, Nuno Coelho, 31 anos, ainda esteve para ceder à tentação de largar o escritório de advogados, em Coimbra, para se dedicar exclusivamente ao póquer, tal o dinheiro que começou por fazer e que agora ronda os 2000 euros por mês. Mas foi por gostar cada vez mais da advocacia que passou a encarar o póquer apenas como um hobbie. "Que até me dá mais dinheiro do que o escritório", ironiza. Catarina Santos, 24 anos, também advogada, em Matosinhos, alinha pelo mesmo diapasão: "Sou uma jogadora ganhadora mas não tenho o objectivo de criar rendimentos, apenas divertir-me não perdendo dinheiro".

Apesar do crescimento do jogo, João Nunes é de opinião que a explosão ainda está para acontecer: "basta os torneios começarem a passar na TV generalista", vaticina.

RENDIMENTO ON-LINE SEM DECLARAÇÃO
Os casinos reais pagam impostos. Os casinos on-line não. Mesmo que os jogadores quisessem declarar rendimentos obtidos com o jogo na internet não há qualquer campo no impresso do IRS para o efeito. Países como a Itália legalizaram o jogo e reclamaram uma parcela dos proveitos. Também a França tenciona fazê--lo. Já a Noruega optou pela proibição. Em Portugal persiste o "vazio legal", como afirma um responsável da Direcção-Geral dos Impostos.

JOGO NA NET VICIA MAIS RAPIDAMENTE
Acessibilidade 24 horas por dia. Anonimato. Utilização do cartão de crédito. Confidencialidade. São factores susceptíveis de acelerar a dependência do jogo on-line por comparação com as salas de jogo tradicionais. O vício do jogo on-line, afecta, segundo se estima, cerca de cem mil portugueses, entre os quais alguns já começaram a procurar ajuda. O psicólogo Pedro Hubert, especialista em jogo compulsivo e patológico, tem alertado para o facto de os jogadores serem cada vez mais jovens e para o carácter altamente destrutivo do vício. O controlo passa, nomeadamente, pelo limite de tempo e dinheiro antes que o jogo comece.

"GOSTO DE VER OS OUTROS JOGADORES"
Luís Vale joga póquer há mais de 20 anos. Sempre com as cartas na mão. O jogo on-line não o seduz. "Gosto de olhar para os jogadores e fazer perguntas... gosto do clima." Na internet, o póquer "torna-se mecânico". Luís prefere os torneios ao vivo. Não há comparação entre o que pode ganhar-se on-line, em dez mesas ao mesmo tempo, e nas salas, que Luís, jogador de fim-de-semana, ainda assim, prefere.

UM JOGO PARA VALER 2,1 MIL MILHÕES
2,1 mil milhões de dólares foi quanto o póquer electrónico rendeu em apenas um ano – 2006. Deste então, a febre tem aumentado.

30 MILHÕES DEITAM CARTAS NA REDE
O número não é (nem pode ser) exacto mas estima-se que mais de 30 milhões de pessoas joguem póquer on-line. 30 mil são portugueses.

ENTRADA CUSTA PELO MENOS 110 EUROS
110 euros é quanto custa a entrada nos torneios do circuito Solverde. Muitos jogadores de póquer on-line são também habitués dos torneios.

NOTAS
007
Nem o mais famoso agente secreto fica imune aos encantos do jogo. Foi como se viu em ‘Casino Royal’.

'TILT'
Acaba de estrear na FOX a série ‘Tilt’, que explora as motivações e adrenalina dos jogadores.

STALLONE
Também Sylvester Stallone experimentou o mundo do póquer no filme ‘Shade’ (‘Nos Bastidores’).

DICKINSON DÁ CARTAS EM 'RIO BRAVO'
Em ‘Rio Bravo’, western de 1959 que consagrou John Wayne como xerife, Angie Dickinson foi ‘Feathers’, uma bela e desbocada jogadora de póquer.

WESTERN A SÉRIO TEM 'SALOON' COM PÓQUER
‘Por um Punhado de Dólares’, ‘O Homem que Matou Liberty Valence’ e ‘Maverick’ – western sem saloon com póquer não é western.

Ligação:
Versão original da Revista de Domingo na edição online do Correio da Manhã

5 comentários:

Tacuara disse...

Para mim, este é o tipo de reportagem que em nada dignifica o poker, nem contribui para o seu desenvolvimento e aceitação perante a sociedade.

Mas o que poderiamos esperar do Correio da Manhã?

Yuranus disse...

reportagem cliché

Gato disse...

Chamada de primeira página: "André Santos factura 500 euros por hora no jogo."

Só temo que daqui a 1 ano ou 2, ou 3, as reportagens que são feitas sobre poker na Comunicação Social portuguesa ainda incidam sobre o ponto de vista do "fenómeno", e do "dinheiro", ao invés da vertente "desportiva", "competitiva" e de "complexidade" do jogo em si.

Todavia, acho que estes exercícios jornalísticos são um reflexo da nossa idiossincracia enquanto povo. É mais fácil ser famoso através de um "Reality Show" ou de uma relação amorosa com alguém do "mundo cor-de-rosa" do que ir para o Conservatório durante anos a fio para aprender a cantar, representar ou construir algo de útil para a Sociedade.

O percurso que é preciso fazer para se ser bem sucedido no poker, o estudo, as leituras dos adversários, a investigação e aprendizagem, não são tão apelativos como a referência fácil aos lucros dos maiores tubarões.

É o mesmo princípio pelo qual todos os jogadores de futebol são vistos pelos adeptos em geral através da bitola dos atletas dos grandes emblemas, quando temos praticantes nos campeonatos profissionais a ganhar 500 euros, isto os que chegam a recebê-los...

A primeira vez que despertei para o estrondo do poker foi por via de uma reportagem do "60 Minutes", cuja qualidade enquanto referência do género está acima de discussão. Falaram do dinheiro, obviamente, mas mesmo dentro de um período limitado de tempo como é o das reportagens televisivas, conseguiram e enunciar princípios de trabalho e estudo que, sinceramente, me chamaram a atenção bem mais do que a batelada ganha pelo Moneymaker.

Melhores dias virão.

abn0se disse...

Convenhamos que também não vemos grandes reportagens sobre o sacrificio, o estudo(?), o treino, etc do Cristiano Ronaldo; 98% das reportagens são sobre a miséria que ganha ou as meninas que estende ao comprido.
Como disse o Yuran, e muito bem, é uma reportagem cliché.

petruzzi disse...

subscrevo mais ou menos o que dizem tacuara, yuran e hooligato, mas não concordo quando o gato diz 'reflecte a nossa idiossincrasia enquanto povo'. e não concordo porque, sinceramente, não vejo, olhando pelo prisma focado, seja a visão que se tem do poker seja a que se tem do resto, referido e não só, em que é que os outros povos diferem do nosso.